QUANDO O SHOW TERMINA!

Estamos cansados de ouvir, desde que nascemos, que a única coisa certa nesta vida é a morte.

Do mesmo modo, cansamos de ouvir a reação das pessoas, e até a nossa, diante da morte de um ente amado: “não acredito! Isso não pode ter acontecido!” é o que sempre ouvimos e dizemos quando a morte sobrevoa em nossas vidas.

Essa semana pra mim foi muito difícil...complicado ter que encarar a realidade de que uma das pessoas que mais amo pode sair de cena, toda essa historia me deixou muito angustiada.

É o conflito existencial indissolúvel gritando de alma em alma...é a charada tragicômica da condição humana, a revelação escancarada de nossa mais absoluta limitação.

E ainda assim, insistimos em negar o inegável!

Como somos egoístas, preferimos ver as pessoas sofrendo, mais jamais admitimos ou aceitamos esse tipo de adeus.

Quando comecei a refletir sobre esse assunto, achando interessante o tom poético que acompanha o final do show de cada vida que compartilhamos, cheguei a pensar que bastaria encararmos a última cena do espetáculo como o grande ato e tudo pareceria perfeitamente compreensível e facilmente assimilável.

Ai me veio a tona a quantidade de entes queridos que já perdi e a minha angustia aumentou, e o medo me dominou...é como se eu quisesse ter o dom de fazer o tempo parar, apertar o pause, como fazemos com os filmes que assistimos em casa no nosso DVD, e decidirmos se vamos ver o final ou não, e caberia então escolher qual o melhor final, o mais conveniente e agradável para nós!

Esse pensamento logo se mostrou inútil, quando entendi que a dor é por causa do fim do outro e não do nosso, afinal, cada vez que a cortina de alguém se fecha, as extremidades da nossa se aproximam um tantinho mais, sem que percebamos que a morte pode ter sido dele, mas a despedida é pessoal....eu de mim, você de você.

Em seguida me pareceu que aceitar o fim assim, como se nele houvesse apenas beleza, mistério e poesia, seria ignorar a sádica presença da morte durante todos os dias de nossa vida: triste ilusão, morremos aos poucos, dia após dia, e não temos como evitar!

Não seria melhor aceitar, não o fato de que o show acaba, mas o conflito que tanto nos tortura, e a partir daí, ciente de que viver nunca é um ensaio e que, portanto, contém em si estreia e encerramento, possamos experimentar, enfim, a essência.

Este é o único motivo para que termine; caso contrário, tudo não terá passado de um estúpido desperdício.

A impressão que fica é de que só desperdiçamos quando não aceitamos o conflito.

A morte, assim como a vida, é trágica e bela...é fim e luz....é saudade e esperança...é a prova cruel e mágica de que somos finitos e isso muda tudo, porque essa verdade instala-se no agora uma urgência que nos salva. Não porque devêssemos viver como se não houvesse amanhã, seria vazio demais viver sem esta chance. Pode ser que não haja mesmo e isso precisa estar previsto especialmente por causa dos que amamos; mas pode ser que haja... e, assim, talvez seja melhor acreditar que o hoje é urgente tanto quanto será o amanhã...se houver.

O segredo é um dia de cada vez, para que seja sempre hoje, sempre presente, tão idílico quanto o fim. E para que a esperança no amanhã seja efetiva, ainda que esse amanhã não chegue, é preciso que nos permitamos: o conflito precisa pulsar, o espetáculo precisa acontecer e a essência haverá de ficar, de algum jeito lindo, numa entrelinha do show de nossos amados...

É por causa desta possibilidade, sobretudo, que o fim é indispensável... e que sem ele perderíamos o desejo genuíno de encontrar algum sentido maior à arte de existir, ainda que seja depois do espetáculo terminar...